28/03/2010

Fotografias de outros tempos

Nos meus passos há momentos fortuitos que teimam em rebuscar fotografias antiquíssimas das quais me esquecera da sua existência... Metro após quilómetro, acompanham-me silêncios que se transformam em vozes idas...
Alguns dias após ter posto os pés nesta fantástica vila de Campo Maior, pareço ter encontrado mais uma fronteira - entre mim descubro Espanha e o Alentejo.
Acordo mais uma vez junto a flores de papel que se multiplicam sem parar - verdes, azuis, amarelas, vermelhas - quais tropas, qual povo, que se reúnem para combater os moiros neste campo em que o branco das casas consegue inundar mais a vista que o azul do céu! Uma após outra, canteiro após canteiro, não há uma flor que não se prepare para o momento maior em que irão finalmente explodir de alegria e de orgulho...
Existe nestas pessoas que me rodeiam um sentimento mútuo de dever por cumprir mas uma felicidade tremenda por fazer parte desta festa única no tempo...
Ao sair para a rua, as muralhas do castelo deixaram de ser sépia e as ruas perderam o preto do branco -existe uma nova cor para me acompanhar em mais um dia da minha vida.
É tempo de seguir viagem.

26/03/2010

Caminhos cruzados

Enquanto a estrada me vai queimando os pés, vou parando uma e outra vez junto da sombra mais próxima para beber um outro golo de água. Mirando o horizonte apenas avisto campos de cultivo e azinheiras plantadas como ilhas num oceano de trigo...
Por vezes o destino prega-nos partidas, dizia-me "Dean", mas tu, meu caro, tu tens tudo para ser feliz...
Hoje pergunto-me qual a definição de "feliz" à qual ele se referia, já que o caminho onde nos cruzámos nos levou a direcções diferentes...
Uma ilusão, é o que é, tal como os quilómetros que ainda me faltam para o meu próximo destino... Procuro respirar fundo mas o ar quente engasga-me. Bebo mais um trago e sigo viagem.

22/03/2010

Recordações de outros sítios

Calcorreando ruas de cidades por onde nunca passei, observo constantemente o espaço que me rodeia. Tão frequentemente encontro terras que me recordam outros sítios...

Umas vezes pesado e quente, outras fresco e gélido, o ar que respiro ajuda-me a dissociar onde estou sempre que o cérebro me procura confundir ao juntar experiências, lugares e pessoas que apenas se cruzaram nesses momentos em minha mente.

Não, não estou à beira da loucura, estes são apenas os efeitos de movimentos simétricos, dos anos de viagem que levo na procura da minha pedra filosofal, que me trazem aonde anseio chegar um dia. A vida em si não é uma viagem?

20/03/2010

Insónia

Deitado de barriga para o ar, suspirando anéis de fumo, observo o tempo passar a conta-gotas: tanta insónia deixa que outro cigarro arda lentamente.
Fixo o olhar no relógio de parede que parou há exactamente seis horas, trinta e um minutos e dezasseis segundos de há não sei quantos dias, meses ou anos. Ouço os primeiros carros da manhã passando como d'habitude um após o outro, caracteristicamente na mesma sequência rotineira e os melros que se levantam em bandos fugidios...
Saio à rua para espairecer - o ar fresco da manhã desperta o apetite - páro na primeira pastelaria para beber um café... Enquanto o aroma da primeira bica se apodera dos meus sentidos, sinto finalmente que estou pronto para mais uma viagem. Faço-me à estrada.

On the road

E outra vez fiz-me à estrada, qual Sal Paradise, fui andando sem tino e procurando um rumo que não encontrava, simplesmente porque não existia...
As terras que ia correndo, uma após outra, eram cada vez mais iguais a si próprias e às pessoas com quem me cruzava - tudo parecia ter um curto prazo que estava sempre a expirar - ainda há pouco cá estavam e agora já não existem... E tudo tão rápido, que mal me voltava ao acordar, já era hora de deixar esses lugares por onde guerras passaram e nunca mais sinal de vida se avistara, lugares esses onde ainda hoje a monotonia reina... À falta de melhor, aplica-se a teoria da melhoria contínua invertida: se hoje foi mau, amanhã será pior - Carpe Diem - aproveita o dia de hoje porque não sabes o que amanhã te trará.
Entretanto "Dean", o velho "Dean" que nem o correr do século o fez ficar mais velho, ia ocasionalmente dando sinais de vida: mudei-me, estou a viver mais longe que alguma vez podia imaginar - mas hoje nada quero que não isto, onde estou: os dias passam mais lentamente e as noites absorvem-me o ego, olvidando quem sou... mas a cada manhã que passa redescubro-me nas páginas de cada livro que vou lendo, comprados nos mercados de rua desta cidade cinzenta que nada tem de comum com o que alguma vez conheci...
Numa das minhas caminhadas pensara conhecer entretanto a minha cara metade. Mais longe ainda que madrugada procurando alcançar o final do dia, começara a criar raízes, qual árvore exótica em terreno árido...
Eis senão que, ao contrário do que prometera, ao ouvir a estrada a chamar, apertei o relógio ao pulso, agarrei na mochila e saí. Fui, sem ideia de saber se voltar seria opção. Outros caminhos esperavam por mim e eu inconscientemente sabia-o desde o princípio. Mais uma vez, encontro-me a caminho de lugar nenhum...

17/03/2010

Mais uma manhã de Verão

O bando de melros que abre o silêncio da madrugada com um chilreio longínquo, volátil, deixa-se ecoar nas sombras que acompanham o sol desde o escuro. Mais uma vez é dia e o pinhal acorda também com a luz que perpassa até à caruma, absorvendo lentamente a frescura da ribeira que espelha já o calor de mais uma manhã de Verão.

16/03/2010

memórias

Se as memórias fossem pétalas, imaginem quantas flores teria no meu jardim! Seria enorme e selvagem, pleno de momentos extraordinários e únicos!

15/03/2010

Um novo dia

Bem vindo aos teus sonhos, puxa uma cadeira... Senta-te, conta-me como te sentes... Como foi essa viagem que só tu sabes como aconteceu? Por que lado começava o céu azul e onde acabava o mar virado ao contrário? As portas, as janelas e as pessoas a acenar de todos os lados? Eras um pobre famoso ou um virtuoso sem eira nem bar, de copo na mão e cigarro aceso que tu deixavas queimar lentamente até à ponta, até sentires os dedos tremendo gelados a aquecer num daqueles dias frios de Inverno em que o sol brilha como se fosse o mais quente dia de Verão? Ah... Não interessa, aproveita o momento e sonha com intensidade, sobre coisas que te façam acordar com mais vontade de viver, porque amanhã... amanhã é um novo dia... um novo dia... amanhã...

14/03/2010

Mais um dia de Primavera

Lembras-te das papoilas coloridas que apinhavam o quintal junto das urtigas onde picávamos as mãos curiosas?
Mas afinal era um prazer respirar o aroma fresco de uma papoila quando a manhã no seu auge ainda transpirava a humidade de mais um dia de princípio de Primavera...

13/03/2010

Tic tac....

Conta os silêncios como se de segundos se tratassem e as pausas como horas que se evadem são suspiros que abrandam o pensamento, são sussurros que pedem ao tempo para se escapar por entre as frestas da memória perdida de qualquer dia que se foi... para não voltar... Tic, tac, tic, Tac... É o tempo que se arrasta... Tic, tac, tic, Tac... acabou-se o tempo que o momento pede para voltar...

Cidade da Amargura


Ponto atrás de ponto, linha que se corta, palavra que descreve o sangue que escorre, o dedo sem dedal, o "ai" que me piquei e a vergonha de ser costureira aos dias de semana quando aos domingos lhe perguntam se já encontrou trabalho. Não, prefere dizer, estou à procura de lugar para secretária num qualquer escritório desta cidade, ainda que sabendo que irá ganhar muito menos e trabalhar muito mais, tem por esperança poder "subir" na escala de valores dessa sociedade que a rodeia... ser secretária, um sonho que esperança alcançar embora o patamar que anseia por subir seja ainda tão alto - afinal quem irá empregar essa rapariga de parcas habilitações, cuja única escola foi aquela que a levou às ruas da amargura? Amargura... essa cidade sem escritórios, mas plena de costureiras que ao fim de semana anseiam por uma nova vida...

08/03/2010

boa noite (meu filho)

Esta noite está mais clara, mais brilhante que o silêncio dos teus olhos enquanto te vejo dormir... repouso-me nos teus suspiros e deixo-me embalar pela brisa dos teus sonhos que me levam para caminhos distantes... até amanhã...

Quem?

Ninguém se ocupa da desgraça como ela é vivida, senão o escritor. O jornalista quer a sensação, o repórter quer vender o esclarecimento mas, o escritor, esse, quer apenas uma verdade, por muito cruel que seja. Uma verdade... o que é a verdade e quantas verdades existem? Se por existirem tantas explicações e tão poucos fundamentos, quem vai afinal conseguir explicar melhor o que foi a desgraça?

O escritor precisa da sensação para descrever o que o faz vender, o jornalista precisa de uma versão, de uma verdade para vender e o repórter precisa de se apoiar em várias verdades para conseguir criar uma sensação de esclarecimento - todos se movem em torno do mesmo processo mas será que algum afinal consegue ser independente o suficiente para se ocupar da desgraça como ela é vivida? Só o escritor.

À boca da foz

O momento em que a barca sobe à boca da foz, por ali acima, vinda do mar, deixando um rasto de espuma salgada atrás de si e o céu entardecido vermelho de cansaço - o tempo parou...

Matemáticas

Suspiros da Primavera em jeito de equação - o Inverno menos o frio elevado ao quadrado de uma brisa morna de Verão.

05/03/2010

Quando o Inverno chega

Quando o Outono chega ao fim, imaginem se o céu se enchesse de sentimentos de culpa pela vinda do Inverno... O azul celeste deixaria de ser uma verdade porque a chuva, que simplesmente não deixaria de aparecer, tomaria uma proporção de tempestade que viria inundar os vales da noite.

Dormir ou não....

Enquanto o abrir da noite melódico se agita para lá e para cá, vou adormecendo no bulício da manhã que me mantém acordado - a noite acaba e o trabalho não relaxa - eu quero descansar mas o meu corpo não, eu quero deitar-me mas a luz do dia acorda-me como que abruptamente para o silêncio do descanso e vejo-me a dormir profundamente ao som do trânsito que passa para lá da janela do meu quarto...