11/05/2014

Da desunião europeia (e nacional)

Depois de ler a entrevista do Público a Philippe Legrain, houve várias coisas que me deixaram a pensar.
Primeiro, aqui ficam alguns momentos:

(Legrain:) "É preciso lembrar que na altura havia três franceses na liderança do Banco Central Europeu (BCE) – Jean-Claude Trichet – do FMI – Dominique Strauss-Kahn – e de França – Nicolas Sarkozy. Estes três franceses quiseram limitar as perdas dos bancos franceses. E Angela Merkel, que estava inicialmente muito relutante em quebrar a regra do “no bailout”, acabou por se deixar convencer por causa do lobby dos bancos alemães e da persuasão dos três franceses." (...)

"troika (de credores da zona euro e FMI) que desempenhou um papel quase colonial, imperial, e sem qualquer controlo democrático, não agiu no interesse europeu mas, de facto, no interesse dos credores de Portugal. E pior que tudo, impondo as políticas erradas." (...)

"Portugal está mais endividado que antes por causa do programa, e a dívida privada não caiu. Portugal está mesmo em pior estado do que estava no início do programa." (...)

"A UE sempre funcionou com a Alemanha integrada nas instituições europeias, mas aqui, a Alemanha tentou redesenhar a Europa no seu próprio interesse. É por isso que temos uma Alemanha quase-hegemónica, o que é muito destrutivo." (...)

"Pensa que isso foi uma decisão tomada conscientemente por Angela Merkel?
Os erros vieram todos da violação da regra do “no bailout”. Merkel tem a seu favor o facto de ter atrasado durante muito tempo [a ajuda à Grécia]. Penso que ela não queria violar a regra do “no bailout”. Só que foi convencida a fazê-lo pelos três franceses e pelos bancos alemães, que disseram todos que seria irresponsável deixar a Grécia entrar em default. E, por causa deste erro fatal, de repente os contribuintes alemães sentem que são responsáveis pelas dívidas de todos os outros países. Por isso, a resposta natural dos alemães foi dizerem que querem maior controlo sobre os orçamentos e políticas económicas dos outros. Este foi o erro crasso. Transformou a natureza da UE, que passou de uma comunidade voluntária entre iguais para esta relação hierárquica entre credores exercendo o seu controlo sobre os devedores. " (...)

"Então para si, a crise do euro foi antes de mais uma crise bancária mal gerida....
Foi. É antes de mais uma crise bancária."Se olhar para Portugal, o principal problema era a dívida privada. Antes da crise, a dívida pública era sensivelmente a mesma que na Alemanha – 67/68% do PIB – mas o grande problema que não foi de todo resolvido era a dívida privada que estava acima de 200% do PIB. (...)

"Os bancos deveriam ter sido reestruturados e a dívida do sector privado deveria ter sido resolvida. Nas empresas, através de procedimentos de insolvência do FMI que lhes permite continuar a funcionar enquanto a dívida é reduzida. Para os consumidores, com reduções de dívida a partir do momento em que os bancos reconhecem as perdas e as incluem nos balanços. Se isto tivesse sido feito, a trajectória da dívida pública portuguesa poderia ter permanecido sustentável, porque o sector bancário estaria a funcionar, a dívida privada seria inferior e por isso haveria mais crédito para investimento e maior consumo. Mas por causa dos erros feitos Portugal está numa situação difícil."(...)

  "Ao mesmo tempo, se olharmos para a economia subjacente, há agora um crescimento do PIB positivo, mas a inflação caiu tanto que o crescimento nominal do PIB é muito, muito baixo. E é muito difícil sair de uma dívida gigantesca quando se tem um crescimento nominal do PIB muito baixo. Por isso, na ausência de inflação, é preciso reestruturar a dívida." (...)

"Mas pelo menos parte da dívida pública foi assumida para salvar dívida privada, incluindo dos bancos, portugueses e alemães. O que significa que são os contribuintes portugueses que estão a pagar para salvar esses bancos?
Sim, é verdade." (...)

"Mas é preciso, sim, uma reforma institucional para fazer a zona euro funcionar melhor no futuro. E, a esse respeito, penso que é preciso ter um mecanismo verdadeiramente independente de resolução dos bancos, porque o actual não é. É preciso que o papel do BCE enquanto credor de último recurso dos governos seja tornado permanente em vez do actual mecanismo temporário e condicional [OMT]. Terceiro, é preciso restaurar a regra do “no bailout”. E é preciso dar aos Governos muito mais liberdade e flexibilidade para contrair crédito e para gastar – para isso, é preciso deitar fora o Tratado orçamental – embora prevendo, em última análise, a possibilidade de default. Esta é a disciplina. Os Governos e os mercados têm de saber que há o risco dedefault. A longo prazo, será preciso criar um tesouro da zona euro, com algum poder de tributação fiscal e de contrair crédito, que responda democraticamente perante o Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais."(...)

"Olli Rehn e os seus altos funcionários decretam que o desemprego vai ser 12% mas se afinal é 20%, dizem “ah, ok, temos de mudar aqui este número na folha de cálculo”. Ou seja, não estão a lidar com a realidade. Esta instituição é uma redoma completamente desligada da realidade. 
Estas mesmas pessoas vão continuar a mandar nas nossas vidas...."(...)

In Publico Online "http://www.publico.pt/economia/noticia/ajudas-a-portugal-e-grecia-foram-resgates-aos-bancos-alemaes-1635405?page=1#follow"



Ou seja:
- Estamos onde estamos por arrogância e desinteresse dos mais altos dirigentes europeus;
- A máquina financeira europeia nunca funcionou bem e continuará a não funcionar por vontade colectiva da comunidade política europeia 
- Merkel podia ter travado esta corrida desenfreada de ajudas aos bancos que prejudicou sobretudo os países do Sul da Europa; e
- Depois destes anos, ainda não há plano B para sair colectivamente desta situação negativa em que nos encontramos.  
- Observo colateralmente o seguinte: de acordo com o que li, o principal problema de Portugal antes do início desta crise era a dívida privada. A dívida pública não representava algum problema porque estava controlada. Ora o que o actual governo tem vindo a fazer desde que foi eleito foi vender os activos estatais mais atractivos (EDP, CTT, TAP, ...) enquanto se apressa a assumir dívidas privadas - BPN, agora parece também a Carris e a STCP... conseguem ver o alcance destas artimanhas?
- Apesar dos maus negócios do anterior governo, ainda hoje me pergunto se não teria sido muito mais sensato o PCP e o BE terem deixado Sócrates implementar o PEC IV e com isso poder ter outra atitude de negociação perante a Troika.

Em suma, estamos entregues à bicharada - lá fora e cá dentro. E agora? Para onde vamos? As eleições europeias estão aí e em Portugal a direita continua a tirar benefício da fractura à esquerda "ampliada" pela comunicação social...As coisas não estão fáceis mas tenho impressão que vão continuar a não ficar melhores...


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